O risco das fake news na saúde

O risco das fake news na saúde

Fevereiro de 2019

Nunca foram tão devastadores e impactantes os riscos da desinformação induzida, hoje denominada fake news.

Seus efeitos podem se espalhar em todas as dimensões da sociedade e acabar levando pessoas a escolhas e decisões erradas com danos muitas vezes graves ou até mesmo de difícil reversão.

Quanto maior a população levada ao equívoco (massa de manobra, nesses casos), mais relevante pode ser o dano para uma comunidade, uma empresa, um segmento da sociedade e, até mesmo, os destinos de um país.

Os exemplos são abundantes. Quem não se lembra, por exemplo, do caso da Escola Base, em São Paulo, em 1994, quando seus proprietários, uma professora e seu marido, foram equivocadamente acusados de abuso sexual contra crianças de quatro anos de idade?

Sem a devida apuração jornalística naquele momento, essas pessoas foram alvo de um processo difamatório que culminou com a execração de suas reputações e com o fechamento da escola.

Hoje esse caso é objeto de estudo nas universidades de Jornalismo, e a indenização pelos danos morais (irreparáveis) ainda aguarda sentença final da Justiça tantos anos depois.

Danos em escala global

Mais recentemente, vimos os casos envolvendo a eleição de Donald Trump a presidente dos Estados Unidos e a decisão dos britânicos pela aprovação do Brexit.

A arquitetura de influência na decisão dos eleitores nesses dois pleitos teria passado pela violação de dados de 50 milhões de pessoas no Facebook a partir de um teste de personalidade desenvolvido por um acadêmico russo, posteriormente utilizado pela Cambridge Analytica.

O objetivo teria sido direcionar as escolhas dos eleitores dessas duas importantes nações a partir de fake news que atingiam a candidatura de Hillary Clinton e dos favoráveis à permanência do Reino Unido na União Europeia.

As consequências nós já conhecemos: as polêmicas que persistem em cada país, a descontinuidade das operações da Cambridge Analytica e uma desvalorização do valor de mercado do Facebook que chegou a superar US$ 120 bilhões, entre outros problemas colaterais.

Tamanho estrago instaurou uma implacável mobilização das autoridades de muitos países para regular a proteção de dados das pessoas, hoje espalhados nas plataformas digitais. No Brasil, estamos em fase de preparação para atender às exigências da Lei Geral de Proteção de Dados, que entra em vigor em 2020.

As consequências da doença da informação na saúde

No âmbito da saúde, os efeitos das fake news também podem ser desastrosos. O leque de absurdos é infinito. Os mais populares estão relacionados aos falsos milagres de emagrecimento envolvendo dietas e procedimentos estéticos que continuam induzindo pessoas a se submeter a riscos que têm custado vidas em alguns casos.

Em meados do ano passado, boatos envolvendo vacinação circularam no WhatsApp, principalmente em grupos de pais, e colocaram o governo em alerta. Essas notícias falsas diziam que vacinas deveriam ser evitadas porque levariam à morte ou a outros problemas como o autismo, remetendo ao artigo fraudulento publicado pelo médico britânico Andrew Wakefield, em 1998, na revista científica The Lancet, no qual afirmava que a vacina tríplice estaria associada a casos de autismo. Desvendada a falsa descoberta, teve seu registro profissional médico cassado em 2010.

Esse tipo de desinformação tem colocado a prevenção em maior grau de vulnerabilidade, uma vez que a taxa de adesão às campanhas de imunização caiu nos últimos anos de 95% para patamares em torno de 75% na vacinação contra a poliomielite, por exemplo, segundo o Ministério da Saúde do Brasil.

Essa distorção também tem sido observada pelo setor de medicina diagnóstica quando o tema é realização de exames.

Em meio às discussões sobre a necessária busca de soluções que garantam a sustentabilidade do sistema de saúde, surgiram nos últimos tempos falsas informações sobre desperdícios que não guardam nenhuma proximidade com a realidade dos fatos.

Contra uma tese de que haveria mais de 30% de resultados de exames não retirados, a Sociedade Brasileira de Patologia Clínica (SBPC) realizou estudo em 2017 mostrando que o número de exames não retirados fisicamente nas unidades de atendimento é de 5,4%.

Se considerássemos um número médio de oito exames por solicitação médica, essa taxa significaria 0,6%. E mais: esses exames não retirados podem ter sido decorrentes de vários fatores, como interlocução imediata entre o centro diagnóstico e o médico prescritor, dispensando a documentação impressa.

Trazer à tona esse tipo de informação ou suposta tese indiscriminada de que exames são vetores de desperdício pode significar um caminho arriscado de longo prazo que penalizará a saúde das pessoas e colocará em risco a sustentabilidade do próprio sistema.

O segmento de medicina diagnóstica representa um elo de alta relevância na cadeia de saúde por fornecer à atividade médica apoio no processo diagnóstico para a adequada conduta clínica em cada caso.

Realizada com rigorosa qualidade, a etapa diagnóstica ajuda o médico na busca de respostas às questões críticas de saúde dos pacientes, trazendo informações por meio de exames que permitem a prevenção em benefício de uma vida saudável. Além disso, contribuem para evitar intercorrências que podem colocar o paciente em risco e gerar, consequentemente, custos ao sistema de forma precoce e crônica.

Enfim, quando estamos falando da saúde de pessoas, a melhor informação é a que se baseia em fatos a partir de estudos estruturados e comprovações científicas.

No tema vida não cabem, em hipótese alguma, fake news. Responsabilidade é a palavra de ordem.

William Malfatti, diretor do Comitê de Comunicação da Abramed

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